Era o belo fim de tarde de um plácido dia de Outono quando ele estacou na soleira da porta da casa branca da sua infância e inspirou fundo. Ajeitou o colarinho e olhou de relance para os canteiros, sempre floridos e bem tratados, imutáveis desde que se lembrava, animados pela brisa fresca e suave que embalava o mundo. Mas não se perdeu nas recordações e levantou o punho, batendo três vezes na madeira da porta. Esboçou o seu melhor sorriso e pigarreou, olhou uma última vez para trás, para a rua deserta, de árvores despidas, e aguardou.
“Quem é?”, perguntou uma voz do outro lado da porta, uma voz familiar, trémula, mais velha que o próprio tempo, que o encheu de ternura.
“É o teu filho, minha mãe!”, respondeu ele sorridente, e ouviu a chave a rodar na fechadura com uma perceptível ansiedade e a voz da mãe, do outro lado, transbordante de alegria.
A porta escancarou-se e ela abraçou-o com força, beijou-o nas faces e falou das saudades que tinha, do tempo há que não o via, do frio que fazia na rua, vem para dentro meu filho, ainda te constipas, deixa-me ver-te, estás tão bonito e elegante.
“Olha trouxe-te isto…” disse ele e estendeu-lhe um grande ramo de rosas brancas, ai tão lindas, meu querido, és tão atencioso, espera, deixa-me pô-las num jarro, vem, entra aqui para a cozinha, decerto tens fome, vou-te fazer um lanchinho, que é feito de ti, que tens feito que nunca mais vieste visitar a tua pobre mãe, meu filho, meu anjo, é tão bom ter-te aqui, e mais uma vez abraçou-o cheia de carinho e a comoção trouxe-lhe lágrimas gordas ao canto dos olhos. Ele limpou-as com a ponta dos dedos e fitou o seu rosto ebúrneo, com o seu olhar lânguido e as rugas que se insinuavam nos cantos dos olhos e da boca, e achou-a linda.
“Minha querida mãe… Desculpa… Agora sou um homem ocupado, tenho tido muito trabalho e por isso não tenho tido muito tempo para ti, não se faz, estás aqui tão sozinha…”
“Oh meu filho não te preocupes comigo, conta-me a tua vida, o que fazes, quem és? A solidão não me dói, dói-me mais sentir que já nem conheço o meu próprio filho…”
“Eu sei mãe, eu sei. E é por isso que eu te quero compensar tudo isso, e tudo o que fizeste por mim toda a minha vida. E quero agradecer-te… Olha também te trouxe isto.”
E tirou de um saco que tinha trazido com ele uma caixinha refinada.
“É um chá muito especial importado da China. Sabes que eu não aprecio chá, mas disseram-me que este era uma maravilha. Aproveita e experimenta-o, agora que vamos lanchar”.
“Oh meu filho, és amoroso, obrigada por te teres lembrado…”
Lancharam os dois e ele contou-lhe dos seus negócios, de como se tinha tornado num empresário de sucesso, de como estava a ganhar bem e das viagens fantásticas que fazia regularmente, e dos sítios maravilhosos que já tinha visitado.
Falaram pela noite fora, muito para lá da hora de ir dormir da sua mãe. Eventualmente ele disse-lhe que tinha uma surpresa para ela e contou-lhe que lhe ia oferecer uma viagem a um daqueles sítios com praias de areia branca e coqueiros e água transparente, com tudo pago num hotel de luxo, e sim não te preocupes, eu quero mesmo oferecer-te, tenho dinheiro para tal.
“Mas não é tudo o que tenho para te contar!”, acrescentou. Os olhos da mãe abriram-se de curiosidade, como os de uma criança pequena.
“Mãe… Eu conheci uma rapariga.”
Falou-lhe de como ela era bonita e inteligente, de boas famílias, de como gostava dela e de como estava feliz. E contou-lhe que se iriam casar. Os olhos da sua mãe estavam marejados de lágrimas de alegria.
“Por isso prepara-te minha querida, daqui a uns poucos aninhos deves ser avó!”
E ela chorou de comoção sentido-se feliz como não se sentia há anos.
Fez-lhe ainda muitas perguntas mas eventualmente a sonolência venceu. Disse que se ia deitar. Ele levou-a à cama.
“Já não me posso em pé meu querido… Gostei muito de falar contigo. O teu quarto está todo arrumado e tens a cama feita como sempre… Passo as semanas na esperança que apareças cá!… Estou desejosa que chegue amanhã para contar todas as novidades às minhas amigas… Anda cá meu filho. Amo-te tanto.” – Beijou-o com ternura. – “Fizeste de mim uma mãe muito orgulhosa… Boa noite para ti.”
“Boa noite mãe.” - disse ele fazendo-lhe uma festa nos cabelos grisalhos. Desligou a luz e fechou suavemente a porta do quarto.
Não tinha sono, obviamente. Passeou-se por aquela casa cheia de recordações, fotografias da sua infância e adolescência, do tempo em que o seu pai ainda era vivo, momentos de outrora, instantes de felicidade para sempre aprisionados em molduras, imóveis, a acumular poeira.
Estacou por fim defronte à janela da sala, por onde entrava a luz prateada das estrelas. Estava uma noite fria e silenciosa. Ficou ali uns largos minutos a fitar o vazio até que achou que já passara tempo suficiente.
Voltou à porta do quarto da mãe e abriu-a lentamente. Acendeu a luz.
Ela não acordou.
Jazia de olhos fechados, um sorriso ainda a insinuar-se-lhe nos lábios, estática.
Invulgarmente estática.
Ele aproximou-se dela e pegou-lhe no pulso delicado e tentou ouvir-lhe a respiração.
Nada.
Suspirou.
O veneno do chá surtira efeito.
Retirou do bolso um chaveiro, e remexeu nas chaves até encontrar uma cinzenta, pequena.
Foi em passos lentos até à sala onde tinha deixado a sua pasta de executivo.
Sentou-se no sofá e usou a pequena chave para abrir a pasta. Ficou a olhar absortamente para o seu conteúdo.
“Fizeste de mim uma mãe muito orgulhosa” – pensou.
Era tudo o que ele queria ouvir.
Olhou para as rosas brancas que a mãe tinha posto num grande jarro azul.
Expirou longamente e enfiou na boca o cano do revólver que estava dentro da pasta.