Sobre este blog

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sexta-feira, 30 de maio de 2008

O princípio

Envolvido por uma escuridão morna, era como se vivesse permanentemente naquele estado de delicioso torpor que te invade quando estás quase a adormecer. Os sentidos estão abafados, a consciência limpa e vazia e o único pensamento que te ocupa a cabeça é o de conforto, de aconchegamento e de paz.

O silêncio é total.

A temperatura, perfeita.

O corpo está tão relaxado que nem o sentes.

E assim ele existia, flutuando no vazio, alheio a tudo, desprendido de tudo.

Feliz, sob qualquer definição razoável de felicidade.

Sentindo-se completo.

E neste estado ele permaneceu inalterado por um longo prazo.

Suspenso.

Até que passado um imensurável período de tempo houve uma altura em que sentiu um abalo indefinível, que não dava para perceber de onde vinha nem o que era exactamente.

Um abalo que não altera em nada o teu estado de torpor mas que te faz sentir um formigueiro nervoso dentro de ti, não sabes bem onde nem porquê.

Estás confuso mas nem te interessa perceber a causa, ficas simplesmente à espera que a ansiedade passe e que tudo volte ao normal. E quando lentamente isso começa a acontecer, um novo abalo surge, idêntico mas intensificado, e assusta-te sem no entanto te despertar.

Na tua mente só corre o desejo de que aquilo te deixe em paz, que te deixem voltar ao teu tépido entorpecimento. Desejas isto tão convictamente que simplesmente começas a ignorar estes abalos na esperança que eles se vão embora espontaneamente.

Mas eles não te largam e vão escalando em intensidade e é como se alguém te abanasse vigorosamente para que acordes e tu te recusasses a acordar.

De repente percebes que consegues sentir o teu corpo e a sensação é desconfortável.

Sentes-te enclausurado, abafado.

Tentas esticar-te mas parece que não há espaço.

Tu só queres é adormecer mas de repente é como se tivesse ficado demasiado quente, demasiado apertado.

Tentas esticar-te de novo, mexer-te, mas tens os movimentos presos, estás rodeado por uma qualquer matéria constritiva e aquilo começa a incomodar-te sobremaneira.

Revolvendo-te acabas por encontrar um buraco nessa matéria e espremes-te lá para dentro, na esperança de ficares com mais espaço para poderes voltar ao teu delicioso torpor, que estás desejoso por recuperar.

Espremes-te mais e mais pelo buraco e ainda ficas mais constrangido no seu interior. Tentas libertar-te a custo, enquanto vindos não sabes de onde surgem uns sons abafados, exaltados, nervosos, que te redobram a ansiedade.

Mas porque é que foram interromper assim o teu conforto?

De repente, num espasmo, o buraco parece alargar e és empurrado por ele adentro, em violentas convulsões que te atordoam, uma após a outra. Percorres o seu interior, impotente, empurrado pelas suas paredes, até que de repente és expelido com brutidão e vais parar a um sítio completamente diferente de tudo o que conhecias e o impacto é tão forte que ficas em choque.

Uma luz fortíssima ofusca por completo a escuridão perfeita que te rodeava, ao mesmo tempo que és agredido por sons altíssimos e acutilantes que reverberam por todo o espaço e és invadido por uma horrível sensação de frio. Sentes-te a ser balançado, como se estivesses num barco num dia de tempestade e vem-te um enjoo enorme que nunca tinhas experenciado. Ao mesmo tempo começas a sentir uma angústia profunda, como se de repente precisasses urgentemente de algo mas que não sabes o que é e sem ainda teres acordado começas a entrar em desespero com toda aquela situação.

Porquê?

Que mal fizeste para te fazerem sofrer desta maneira?

Porque é que não te deixaram no teu maravilhoso e confortável estado de completa harmonia?

Neste momento ouves um som agudo ao mesmo tempo que recebes um impacto fortíssimo no corpo. Inicialmente ficas meio extasiado, assustado, tentando perceber que nova sensação é aquela e logo a seguir começas a sentir um doloroso ardor na zona onde recebeste o impacto.

Um ardor horrível.

E sentes-te tão injustiçado.

Porque é que continuam?

Como se já não estivesses a sofrer o suficiente.

E então, completamente desconsolado e ainda invadido por aquela nervosa angústia, sentes uma compulsão incontrolável para abrir a boca, como se isso te pudesse acalmar o desespero.

E berras.

O som quase que te rebenta com os ouvidos.

E para cúmulo dos cúmulos, nada disto te alivia, pois ao abrires a boca uma qualquer coisa entrou lá para dentro e enfiou-se dentro do teu corpo fazendo-o inchar de forma extremamente dolorosa.

Agora também te sentes a arder horrivelmente por dentro.

Em completa autocomiseração, totalmente magoado com o que te estão a fazer, a única coisa que fazes é berrar mais e mais e mais.

E lentamente isso alivia-te a angústia que tinhas começado a sentir.

Continuas a berrar enquanto és envolvido por uma qualquer coisa que te cura a sensação de frio. Voltas a sentir-te mais aconchegado.

As coisas estão a melhorar, mas ficaste tão magoado com todo o mal que te fizeram que não consegues parar de berrar.

Os sons tornam-se de novo mais abafados.

És pousado numa superfície macia, larga e quente, que instantaneamente te transmite uma sensação de calma, de consolo.

Sentes que és de novo agarrado, mas desta feita de uma forma diferente. Este agarrar é profundamente delicado e faz-te sentir protegido. É um agarrar carinhoso que te restitui o aconchego.

Os sons tornaram-se menos intensos e agora ouves uma voz dócil, meiga, maravilhosa, deliciada.

Sentes-te tão cansado, tão magoado por te terem feito passar por isto…

Dói-te tudo.

Esfregas a cara nessa superfície imensa e morna em que estás pousado e sentes uma protuberância rugosa, dura, por onde passas a boca.

Alguma coisa entra para dentro de ti, mas desta feita não te aleija.

É doce e agradável.

Queres mais daquilo. Procuras de novo a fonte daquela sensação, encontra-la e sem saber como, sabes perfeitamente como é que hás-de retirar mais desta coisa que te invade o corpo e te consola.

E à medida que te enches dela começas a sentir-te melhor.

Mais calmo.

E depois do choque passar apercebes-te que estás completamente esgotado.

O torpor regressa.

Finalmente regressa a paz.

Esperas nunca mais voltar a sofrer desta maneira.

E adormeces.

5 Comments:

Anônimo said...

escreves tao bem... :)transmites tao bem o que queres dizer que csg mesmo sentir o que descreves... és envolvente!! ;)

Muito bem, continua! :*

Marco Robalo said...

Achei o texto bastante envolvente.
E a ideia é muito boa.

Anônimo said...

Banda sonora deste texto:

http://youtube.com/watch?v=fG8eQBSp9Ao&feature=related

;)

Anônimo said...

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Sonat said...

SPOILERS!!!!