Sobre este blog

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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Quando a realidade é mais estranha do que a ficção..

Na altura em que o que estou prestes a relatar aconteceu, pensei imediatamente em vir aqui fazer um post, mas depois cheguei à conclusão que era completamente impossível transmitir por palavras esta que é provavelmente a mais aberrante experiência da minha vida.

Não obstante, passados 4 meses vejo os pormenores a começarem a dissolver-se na memória e como não quero de modo algum esquecer esta história, vou deixá-la aqui escrita, para meu próprio proveito, para que a possa relembrar para sempre. Estou certo que o impacto no leitor nunca será comparável com a experiência que tive, mas tentarei ser tão vívido quanto conseguir.

Em janeiro deste ano de 2008, comecei a procurar um novo poiso para morar cá em Lisboa.

Digamos que estava farto que a minha casa-de-banho tivesse mais pintelhos no chão do que eu no corpo todo.

Procurei por quartos para alugar na net e encontrei uma verdadeira pechincha: um quarto a 100 euros por mês, perto da minha escola, com água, luz, gás e net incluídas.

Bem, não fui ingénuo ao ponto de pensar que ia ser um sítio fabuloso, mas nunca, nunca me poderia ter preparado para aquilo que viria a vivenciar.

Telefonema:

Eu: Boa tarde, estou a telefonar por causa do quarto a 100 euros em arroios?
Senhorio: Ah sim sim, pois deve ter visto o anúncio....
Eu: pois... Ainda está disponível? Vou partilhar a casa consigo certo?
Senhorio: sim, sim, é que eu estou reformado e agora estou lá sozinho desde que o outro rapaz se foi embora, a casa é pequena mas não tem de se preocupar que eu passo a maior parte do tempo no meu escritório, isto eu também sou uma pessoa que aprecia a privacidade, mas quer dizer desde que cada um saiba respeitar o espaço do outro não haverá problema.
Eu: claro, claro, com certeza... Quando é que lhe dá jeito que o vá visitar?
Senhorio: Sim, sim, realmente, olhe, aquilo são umas águas furtadas, num quinto andar e devo avisá-lo que é um apartamento modesto, não é, eu ainda estive na dúvida se havia de alugar ou não mas como agora estou lá sozinho dava-me jeito, porque sabe, eu sou de [terriola perdida no espaço e no tempo] e gosto de lá ir passar os fins-de-semana por isso dava-me jeito...
Eu: pois... Então quando nos podemos encontrar?
Senhorio: Sim, sim... acho que vai gostar muito do sítio, sabe, é que eu aqui tenho um terraço com uma vista lindíssima sobre Lisboa, uma coisa... impagável!
Eu: Sim? parece magnífico... então e quando é que posso ir conhecer o sítio?
Senhorio: Pois, eu amanhã tenho de ver, de manhã não me dá muito jeito porque tenho de fazer a barba e depois à tarde tenho de [fazer não sei o quê, não sei aonde com não sei quem], mas quer dizer, portanto, digamos [divagação ininteligível]. Pode ser na [data, hora e local]?
Eu: por mim está óptimo, então até lá, muito obrigado, com licença.

Marcámos num café lá perto. Partilhar casa com um idoso não era uma ideia que me agradasse muito, mas por aquele preço...

Sentado na esplanada à hora marcada, 15:30, olhava incessantemente em volta à procura de um olhar que me procurasse, curioso com qual seria o aspecto do meu interlocutor.

Um quarto de hora depois ainda estava nisto e por isso telefonei-lhe. Disse-me que estava um pouco atrasado e que tinha acabado de sair do banho, e que já vinha.

Esperei.

Sempre que via um velhote olhava para ele tentando entrever reconhecimento. Passado meia hora apareceu um senhor, à entrada do café, um ligeiro sorriso nos lábios, a apontar para mim.

O choque foi imediato. Não era nada do que tinha imaginado. Era muito alto e magro, a pele de um branco-amarelado meio esquisito, um pescoço muito comprido e esguio e mãos enormes, vestido em tons de beije com uma camisa muito fina aos quadrados. Era careca no topo da cabeça mas à volta o cabelo era abundante e liso, de um amarelo muito esbatido, chegando quase aos ombros. Usava uns óculos redondos de armações douradas com lentes que lhe ampliavam imenso os olhos e o sorriso revelava uma dentadura muito amarelecida. Fazia-me lembrar algo como o cruzamento entre um gafanhoto e uma avestruz.

Apresentou-se, tinha um nome esquisito de que já não me lembro [sim já sei, olha quem fala] e convidou-me a entrar no estabelecimento.

Pediu um café e fez-me algumas perguntas sobre mim, após as quais iniciou um extenso monólogo em que me contou o suficiente para se escrever uma biografia bastante detalhada.

Eu apenas ia anuindo, continuamente, meio embasbacado, enquanto ele me contava histórias sobre a PIDE e ter estado preso em África, sobre ser jornalista e sobre as reportagens que fez para vários jornais.

O seu discurso transmitia a noção de ser uma pessoa influente e social, o que contrastava por completo com o aspecto andrajoso que apresentava.

A certa altura perguntou-me se eu estava mal disposto.

Eu: Não, não estou óptimo!
Senhorio: É que parece que está com uma cara aborrecida...
Eu: Não, não, continue, por favor...
Senhorio: É que isto é para nos conhecermos percebe, quer dizer, acho que quando se partilha uma casa com uma pessoa devemos conhecê-la minimamente...
Eu: Com certeza, com certeza...

O monólogo prolongou-se. Contou exaltado histórias das semanas recentes e acontecimentos que o revoltavam relacionados com a publicação de uma notícia alegadamente difamadora sobre um ex-presidiário que era amigo dele e que tinha sido preso por assassínio 20 anos antes. As histórias que contava talvez até chegassem a ser interessantes, não fosse o facto de ele não providenciar adequadamente o contexto necessário, tornando o discurso extremamente desconexo.

Aborrecido de morte, tentava dar a entender que tinha alguma pressa e que gostaria de visitar a casa. Quando finalmente saímos do café o sol já se estava a pôr.

Durante a caminhada continuou a falar calorosamente, dando ênfase ao terraço "impagável" que possuía.

O primeiro prenúncio revelou-se quando passámos por uns contentores do lixo, ao lado dos quais estava uma planta de plástico muito velha dentro de um balde.

Senhorio: Oláaaa.... deixa lá ver o que é isto... É bonita por acaso... Mais logo se calhar venho buscá-la.
Eu: ....

Passados uns 100 metros:

Senhorio: Ah estamos quase a chegar... é já ali ao virar da esquina... Está a ver essa porta? - apontou para o outro lado da estrada - lembra-se aí há uns anos que um rapaz do Técnico foi esfaqueado até à morte?... Pois! Foi ali mesmo, no átrio daquele prédio. Cá para mim aquilo era história com drogas, ele devia andar metido nuns negócios quaisquer que estas histórias não acontecem por acaso...
Eu: ...

Aproveitou a deixa para voltar a falar sobre a sua carreira no jornalismo. Levou-me até à porta de um edifício que nem tinha mau aspecto e começamos a subir as escadas rumo ao quinto andar (não havia elevador).

Ao lá chegarmos, em vez de uma porta normal deparo-me com um sólido portão de ferro avançado em relação ao alpendre.

Senhorio: Isto aqui foi porque às vezes vêm aí uns drogados para as escadas injectar-se e então houve uma vez que me arrombaram a porta de casa. E eu pensei, então vou-me agora pôr a mudar a fechadura, para eles me arrombarem a porta de novo? Nãaa.... mais vale gastar mais um pouco e ficar com uma porta mais segura, não é assim?

Foi aqui que pela primeira vez arqueei as sobrancelhas. Podia ver, de facto, através das grades do portão, que do outro lado estava uma porta de madeira, encostada, seriamente amolgada e com a fechadura desfeita.

Ele destrancou o portão e abriu-o, dando depois um encontrão na porta de madeira que estava extremamente emperrada devido às amolgadelas. Ela rangeu estridentemente, arranhando severamente o chão que já tinha uns sulcos profundíssimos.

Gostava de ter uma imagem que mostrasse o que estava para lá da porta, porque receber toda a informação de uma vez, como aconteceu comigo, teria um impacto muito mais forte do que uma descrição. Infelizmente, na altura não tive o discernimento de pensar em como aquilo me iria parecer hilariante quando olhado em retrospectiva, porque nesse momento já eu estava completamente aterrorizado com a possibilidade de ter vindo parar ao covil de um geriatra psicopata.

O ambiente do "apartamento" [sim, com aspas] era tão lúgrube que durante o resto do tempo que lá passei estive constantemente atento às mãos do homem com medo de levar com uma matracoada/machadada/gás pimenta nos cornos.

Para aumentar a minha paranóia, o velho, por simpatia, tinha-me convidado a entrar primeiro, e como tal estava entreposto entre mim e a porta da rua, a minha única saída para a liberdade.

Durante toda a minha estadia naquela casa tive a certeza que se me distraísse ou virasse as costas durante uns segundos iria acabar trancado numa despensa, solidamente amarrado e amordaçado, à mercê das mais bizarras taras homicidas do velho.

O espaço era terrivelmente pequeno, sem janelas, com uma iluminação mortiça e decadente, o tecto baixo completamente enegrecido por infindáveis inflitrações e nenhuma parede estava à vista devido às pilhas gigantescas de tralha que se amontoavam até ao tecto. Era tão exíguo que para me deslocar dentro do compartimento que fazia de hall de entrada, sala de estar e cozinha ao mesmo tempo tinha de passar de lado por um estreitíssimo corredor, rodeado por pilhas de jornais velhos e livros amarelecidos. Cheirava fortemente a pó e a bafio, respirando-se uma atmosfera insalúbre, contaminada.

Nunca, nunca vi tanta tralha junta na minha vida.

É que aquilo era só tralha e tralha e mais tralha, sufocando até à claustrofobia, pois mal dava para uma pessoa se mexer.

Tudo atravancado, a televisão à esquerda, pousada numa estante onde mal cabia, ficando precariamente equilibrada, parecendo que podia a qualquer momento cair para a frente, e a menos de um pé de distância um sofá de dois lugares, às flores, manchadíssimo, por cima do qual a parede estava repleta de fotografias antiquérrimas, condecorações e diplomas e máscaras de índios e sei lá que mais; do lado direito estava a cozinha que se reduzia a uma bancada com lava-loiças num dos cantos da sala, ao lado da qual estava um frigorífico e uma máquina de lavar roupa, sobre a qual estava pousado um fogão tipo camping-gaz. A própria bancada estava cheia de panelas e loiça, pois não havia grandes armários nem gavetas. Em frente, um minúsculo corredor que levava para a casa-de-banho, que foi a primeira divisão que me mostrou: O chão era de betão, o tecto de esferovite enegrecida e completamente carcomida por bolores, e as loiças coladas com grandes montões de silicone, bem, se já viram o Fight Club então imaginem a casa-de-banho da casa do Tyler Durden, mas mais pequena, mais suja, mais nojenta, com piores acabamentos e com um poliban em vez de banheira.

Fazia lembrar uma daquelas casa-de-banho que se montam nos estaleiros de obras para os trabalhadores utilizarem. A maneira prazenteira como ele se referiu a ela como sendo "um pouco modesta" fascinou-me profundamente.

Depois voltámos à sala, onde à esquerda da televisão estava uma porta. Abriu-a e deixou-me entrar. Seria ali o meu quarto. Era um quadrado mais uma vez sem janelas, logo à direita encontrava-se uma cama pequeníssima que ocupava mais de metade do compartimento, sendo o restante espaço atravancado por uma escrivaninha e um guarda-roupa ao qual só se podia abrir uma porta porque a outra tinha a escrivaninha na frente.

Senhorio:olhe esta cama é óptima, é novinha em folha, que o outro rapaz que antes estava aqui uma vez chegou a casa chateado, partiu a cama toda e a partir daí começou a dormir no chão.
Eu:...
Senhorio: Olhe, ainda está ali a assinatura dele - diz-me isto com um sorriso nos lábios.

De facto, na parede ao lado da cabeceira tinha sido escrito com letras garrafais "SVEN" com uma caneta preta de tinta permanente, o nome do anterior locatário.

Eu: ....

Saímos do quarto e mesmo ao lado da porta havia um buraco rectangular na parede, com não mais de um metro de altura, tapado com um cortinado. O velho agachou-se, afastou o cortinado e pediu-me para o seguir, rastejando.

Passei para o outro lado atrás dele e cheguei a um compartimento muito estreito mas comprido, com um tecto inclinado feito de chapa, tão baixo que tive de permanecer de cócoras. À direita estava uma cama pequena e maltrapilha - a cama do homem - e aos pés da cama um computador, a parte de cima do monitor a bater contra o tecto, e um pequeno banco. Só de olhar para aquele recanto conseguia imaginar o velho sentado ao computador, todo encolhido, a cabeça a tocar no tecto, entretidissimo com sabe-se lá o quê...

Senhorio: portanto aqui é onde eu passo a maior parte do meu tempo, por isso não tem de se preocupar que apesar da casa ser pequena eu estou quase sempre aqui e você pode estar à vontade no resto da casa. Mas agora tenho de lhe mostrar o meu terraço, que é a pérola desta casa... impagável!

Começou a rastejar para a esquerda e eu segui-o pelo corredor, ladeado de ambos os lados por caixas tapadas com mantas de onde se ouviam pequenos arrulhares e estalidos. O chão estava todo cagado e cheio de sementes e pevides.

Chegou a uma porta de metal, também ela com um metro de altura e abriu-a. Saímos para o exterior, para o terraço de que ele falava ternamente.

Era um quadrado com uns 2 metros de lado, no topo do prédio, tanto o chão como o parapeito de betão. Havia um fio preso entre a antena de televisão e a chaminé que o velho usava para estender a roupa. O terraço tinha só mais dois objectos: uma daquelas bicicletas de fitness, muito velha e enferrujada, na qual estavam penduradas meias e cuecas a secar; e uma poltrona que parecia tirada da sala de espera de um consultório, completamente encardida e cheia de nódoas.

Senhorio, com um sorriso largo nos lábios: É para aqui que eu venho quando está bom tempo, sento-me aqui nesta poltrona a apanhar sol e a apreciar esta vista... uma coisa... impagável! Dá para ver Lisboa inteira! às vezes até durmo aqui, nas noites mais quentes, no chão. Olhe, até dá para ver a sua universidade, olhe ali!... Se olhar por aquela janela da sua escola, é capaz de me ver aqui, a apanhar sol.

Tentei afastar da cabeça a imagem de um louva-a-deus amarelo esparramado em cuecas.

A vista era de facto abrangente, ainda que revelasse os arredores como prédios completamente em escombros, todos carcomidos, à espera de cair.

Ficou ali um bom bocado, sorridente, a apreciar aquele momento e eu não o quis interromper. Tive o cuidado irracional de não me chegar muito ao parapeito com medo que ele me empurasse.

Depois voltou a entrar pela portinhola de metal e eu segui-o de cócoras. Fechei a porta atrás de mim, aliviado pela visita ter chegado ao fim.

Rastejei atrás do homem e passados 3 passos ele estacou, em vez de continuar até à portinhola que dava de volta para a sala. Estávamos neste momento a passar pela zona do corredor que estava toda cagada e ladeada por caixas cobertas com mantas.

O homem virou-se de lado e levantou uma manta revelando um pequeno sofá que estava debaixo dela. Sentou-se nele, com um longo suspiro de satisfação.

O meu coração acelerou. Ao sentar-se, o velho bloqueava-me por completo a passagem.

E ali estava eu, de cócoras, encurralado, atrás de mim a porta que apenas me poderia levar para o terraço escarpado e à minha frente o velho, com um sorriso maquiavélico nos lábios, não mostrando a mínima intenção de se levantar.

E naquele momento eu soube que ele ia sacar de uma pistola e ameçando-me com ela iria aprisionar-me.

E naquele momento eu soube que ia morrer de uma morte agonizante e horrorosa.

E apercebi-me que não tinha dito a ninguém onde tinha ido.

Nunca me encontrariam.

Não havia qualquer esperança de salvação.

Eu ia morrer nas mãos do velho assassino e estava ali, de cócoras, paralisado.

A minha mãe sempre me tinha dito para não falar com desconhecidos.... E eu sempre lhe tinha dado ouvidos! Como é que me tinha podido deixar levar desta forma?

Nisto, o velho aponta para mim.

Estou completamente aterrorizado por isso demoro a perceber que na verdade ele não está a apontar para mim, mas sim para trás de mim.

Viro-me para trás, a medo, e vejo o cepo morto de uma árvore.

Não percebo o que aquilo significa, será que ele quer decapitar-me?

E então percebo, ele quer que eu use o cepo como um banco, para me sentar. Faço isso e fico a olhar para ele, constrangido.

E então ele diz-me: Sabe o que é?.. Como lhe tinha dito eu aos fins-de-semana gosto de ir para a minha terra... Mas como agora estou sem ninguém cá em casa não posso ir porque depois não fica cá ninguém para tomar conta dos meus pequenitos....

Pega na ponta de uma das mantas que está a tapar uma caixa e levanta-a, revelando uma gigantesca gaiola, onde se podem ver vários pássaros.

Senhorio: O Sven antes é que tratava disso, mas houve um fim-de-semana em que ele não esteve cá e em vez de me avisar não me disse nada! Uma coisa indecente! Foi uma sorte que ainda cheguei a tempo e não morreu nenhum! Não é minhas fofinhas? Oh minhas lindas, minhas fofinhas, dá beijinho felismina, dá beijinho!

Começou a levantar mais e mais mantas revelando uma enorme quantidade de gaiolas cheias de pássaros de todos os tamanhos e feitios.

Senhorio: o problema nem é tanto a comida, porque eles não morrem por 3 dias sem comer, o problema é a água, que eles sujam-na toda muito rapidamente.

Neste momento eu estava completamente embasbacado a olhar para o homem, que começou a reprovar o comportamento do antigo inquilino que deixara os pássaros à morte.

Aproveitou a deixa para me contar toda a história do Sven, mais uma vez de forma extremamente desconexa, dando-me a entender que ele era uma espécie de adolescente deliquente que tinha estado num reformatório e que ele tinha acolhido. Tinham-se chateado por causa dos pássaros e ele há 3 meses que não aparecia em casa, sendo que tinha deixado lá todos os seus pertences.

Ao fim de 3 meses o velho achou que era melhor procurar um novo locatário, porque senão nunca mais voltava à terra dele.

Eu estava boquiaberto e anestesiado. De repente a completa surrealidade de toda a situação afundava-se em mim: o velho, a casa, a história do anterior inquilino que podia aparecer a qualquer momento a reclamar o quarto, e o ar reprovador com que o velho falava sobre ele por não ter alimentado os pássaros.

Mas se pensam que acabou aqui desenganem-se.

Nas duas horas seguintes o velho entreteve-se a apanhar um a um todas as dezenas de pássaros que tinha espalhados pelas várias gaiolas, tirando-os para fora e apresentando-me a cada um deles, fazendo referência aos traços mais marcantes da respectiva personalidade enquanto os beijava, afagava e chamava nomes meigos.

Eu permaneci todo este tempo num estado completamente atónito.

Ao mesmo tempo que passava pela experiência mais entediante da minha vida, apercebia-me que nunca na minha vida poderia ter conseguido imaginar uma coisa tão bizarra e descabida como aquilo que me estava a acontecer e apercebia-me da solidão do velho, de quem chegara a ter medo, mas pelo qual agora nutria uma estranha piedade...
Finalmente acabou por me conduzir à porta e despediu-se calorosamente. Parecia ter ficado com a noção de que eu tinha adorado completamente o sítio e que estava ansioso por me mudar.
Agradeci.

Quando saí de lá doía-me o maxilar de ter ficado tanto tempo de boca aberta.

4 Comments:

Anônimo said...

tantos musculos e tiveste medo de um pobre velhote?!?! XD

Marco Robalo said...

E queres tu a merda de um telemóvel com máquina fotográfica para quê?

Unknown said...

Creio que eu teria estado ainda mais paranóico. Por alguma razão, a estranha história desse "misterioso" Sven desaparecido (ainda por cima com um nome nórdico, coisa que numa situação dessas me faria logo pensar em subculturas góticas e contos de terror onde se fazem sacrifícios em cemitérios) fez-me lembrar de imediato a "mãe" do protagonista do Psycho.

Sonat said...

lol