Nas malhas insondáveis da memória vive um monstro sem rosto e sem nome.
Uma estação de comboio.
É velha e feia e suja e tem as lágrimas e a tristeza das partidas cravadas nas lajes gastas do chão. O carril perde-se na planura inóspita e ao fundo, ainda longe, surge a silhueta grosseira de uma locomotiva.
Silêncio.
O vento arrasta as folhas pelo cais deserto e alvoroça a erva num prado distante. O céu está escuro. O relógio da estação marca cinco horas e nove minutos no crepúsculo fustigante de Inverno.
Os carris guincham, doridos, à medida que a máquina se aproxima com um estrépito rápido, rítmico, monótono, fatigante. O comboio abranda com um assobio estridente e detém-se, suspirando de cansaço, e de novo, o silêncio.
Um homem alto com um chapéu preto.
Desce os degraus para fora da carruagem e pousando uma grande mala de cabedal no cais, perde o olhar na solidão da paisagem, num momento que se alonga pelo horizonte que a vista abarca, até ser interrompido pelo apelo angustiado do assobio do comboio, que retoma custosamente a marcha com um martelar metálico e indelicado que fere a quietude da planície mas que rapidamente se dispersa na lonjura.
E de novo um silêncio pacífico, melancólico, banhado por uma brisa suave, quase inaudível, que transporta a apatia do mundo. O homem tira o chapéu preto da cabeça e é esmagado por uma tristeza que lhe surge nas entranhas, que o transborda e que se escoa por entre as lajes cinzentas do cais deserto.
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